Bom Selvagem

França – Iluminismo Século XVIII

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), um dos principais filósofos do Iluminismo francês, desenvolveu o conceito do “bom selvagem” para criticar a sociedade europeia de sua época. Esse conceito faz parte de sua teoria sobre o estado de natureza e a corrupção gerada pela civilização.

  1. O Estado de Natureza
    Rousseau imaginava que, no estado original da humanidade, os seres humanos viviam em harmonia com a natureza, eram livres, independentes e guiados pelo instinto de autopreservação e pela compaixão. Diferente de Hobbes (https://pt.wikipedia.org/wiki/Thomas_Hobbes), que via o estado de natureza como um cenário de guerra de todos contra todos, Rousseau acreditava que o ser humano, antes da civilização, era pacífico e virtuoso.
  2. O “Bom Selvagem”
    O “bom selvagem” representa esse ser humano antes da influência da sociedade. Ele não é corrompido pelos vícios sociais, como a ganância, o orgulho e a desigualdade. Para Rousseau, a propriedade privada e o surgimento da sociedade organizada corromperam o homem, trazendo desigualdade e competição.
  3. A Corrupção pela Sociedade
    Com a formação da sociedade e a criação de instituições como o Estado, a moral e as leis, os seres humanos passaram a viver sob a influência de normas que geram desigualdade e opressão. A civilização impôs hierarquias e destruiu a liberdade natural do homem.
  4. O Contrato Social e a Solução
    Embora Rousseau reconhecesse que não é possível voltar ao estado de natureza, ele propôs que a única forma de resgatar a liberdade seria por meio de um Contrato Social, onde os indivíduos entregam seus interesses individuais para formar uma vontade geral, garantindo a soberania do povo.
    O “bom selvagem” tem uma série de contradições que impactam o conceito em si. Possivelmente, Rousseau não idealizava um retorno do homem do século XVIII a uma vida nômade primitiva, entretanto, ao mesmo tempo ele dizia que a sociedade moderna (no tempo dele) corrompia os homens, afirmando também que a enciclopédia iluminista com o cientificismo eram os únicos meios da sociedade evoluir. Voltar atrás não era possível, seguir a frente, era garantia de ser corrompido. É a primeira dicotomia do pensamento, entre várias outras, que não nos dá saída.
    Outro ponto completamente errado deste pensamento é a comprovação histórica. Registros históricos e práticas aprendidas comprovam que quando os europeus chegaram nas Américas ou no Continente Africano subsaariano, por exemplo, havia entre os nativos práticas brutais de guerras e assassinatos em massa, escravização, infanticídio, poligamia, canibalismo. Dizer que o homem era um ser puro, nesse contexto, é uma ficcional utopia que nunca existiu. Essas raças primitivas eram a degeneração de civilizações pertencentes a eras muito mais antigas, e que se degeneraram, segundo a sabedoria iniciática da Teosofia e da Gnose. Mas esta uma vertente que exige profunda pesquisa e não vamos aprofundar aqui.
    Por fim, Rousseau aplicava que a corrupção social do homem; como já vimos, estão baseadas em premissas sem sentido; e sobre elas então ele promovia uma “contrato social” novo que ventilava as bases do socialismo moderno através da igualdade social para todos gerida pelo estado moderno. Ele não reflete sobre o tema de que o estado moderno será gerido por um grupo de elite que detém o poder, que pode se tornar absolutista e totalitário até mais que qualquer monarquia. O conceito de um novo contrato social, acendeu um rastro de pólvora que disparou múltiplos processos revolucionários desde a Revolução Francesa, se estendendo para a revolução marxista e socialista.
    O conceito do “bom selvagem” de Rousseau recebeu muitas críticas ao longo dos séculos, especialmente no século XX, quando historiadores e filósofos revisitaram suas premissas à luz de novas evidências e teorias. Trago alguns contrapontos de nomes importantes que examinaram essa questão.
    Crítica Antropológica: Claude Lévi-Strauss e a Ilusão do Estado de Natureza
    O antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (1908-2009) criticou a ideia de que existiria um estado puro e natural do ser humano antes da civilização. Para ele, não há sociedades “puras” ou “primitivas”, pois todas têm suas próprias formas de organização complexa. Ele argumenta que Rousseau romantizou os povos indígenas, ignorando sua diversidade cultural e os desafios reais que enfrentavam.
    Não existe uma separação clara entre “natureza” e “cultura”.
    Nenhuma sociedade é totalmente livre de hierarquias ou conflitos internos. Isso do homem primitivo, puro, sem conflitos nunca existiu.
    A ideia de um “bom selvagem” pode reforçar um olhar condescendente ou idealizado sobre povos não europeus, que nem por isso são inocentes ou irresponsáveis sobre os seus atos.
    Crítica Histórica: A Violência nas Sociedades Primitivas – Steven Pinker
    O psicólogo e historiador Steven Pinker (nascido em 1954), em seu livro Os Anjos Bons da Nossa Natureza (2011), argumenta que as sociedades humanas antigas eram mais violentas do que as modernas. Ele usa dados antropológicos e registros arqueológicos para mostrar que a taxa de homicídios era proporcionalmente maior em tribos pré-históricas do que em sociedades organizadas.
    A vida antes da civilização era marcada por conflitos tribais e guerras constantes.
    A civilização, ao contrário do que Rousseau sugeria, ajudou a reduzir a violência por meio do Estado de Direito e do comércio.
    A moral e as normas sociais não surgiram apenas como formas de dominação, mas também como mecanismos de proteção coletiva.
    Crítica Filosófica: Hannah Arendt e o Problema da Liberdade
    A filósofa Hannah Arendt (1906-1975), ao estudar política e liberdade, também questionou a visão de Rousseau. Ela argumentava que a verdadeira liberdade não existe no isolamento do estado de natureza, mas sim na participação ativa na vida política. Para ela, Rousseau subestimou o papel da civilização na criação de um espaço onde os indivíduos podem expressar sua vontade e construir instituições justas.

– O ser humano não é apenas um indivíduo isolado, mas um ser político.

– A civilização não é apenas um fator de corrupção, mas também um meio de organização e liberdade coletiva.

– A solução para desigualdades não está no retorno ao passado, mas na melhoria das instituições.

Crítica Econômica: Friedrich Hayek e a Ordem Espontânea
O economista Friedrich Hayek (1899-1992) criticou a ideia de que a desigualdade surgiu unicamente com a propriedade privada. Para ele, a ordem social não é planejada nem imposta por um contrato social, mas evolui espontaneamente. Ele argumentava que o comércio e a especialização são mecanismos naturais que permitem a prosperidade, ao contrário da visão de Rousseau, que via a sociedade como corruptora.

  • A desigualdade não é necessariamente fruto da civilização, mas do processo natural de trocas e inovações.
  • A liberdade econômica permite que indivíduos prosperem, ao invés de serem limitados por uma suposta “vontade geral”.
  • O progresso não é um fenômeno planejado por governos, mas um processo emergente da interação humana.
    A conclusão mais coerente é que que Rousseau idealizou uma utopia de estado de natureza, ignorando aspectos como violência primitiva, diversidade cultural e a importância da civilização para a evolução humana. A visão contemporânea tende a reconhecer que a sociedade tem problemas, mas também avanços essenciais para a liberdade, a segurança e o bem-estar.
    O escritor e jornalista venezuelano Carlos Rangel, faz uma análise crítica muito lúcida sobre o conceito revolucionário do Bom Selvagem em seu livro Mitos e Falácias Sobre a América Latina. Como as potências europeias principalmente, enxergavam, ou ainda enxergam esse conceito do Bom Selvagem no âmbito do comportamento revolucionário em muitos países latino-americanos. Significa dizer que aqui todos eram puros e bons, mas ideologias como o marxismo os corromperam. É um outro ângulo para provocar o Rousseau provocador e ante social.